Aspectos práticos do Tema Repetitivo N° 1095 do STJ

Por Dra. Victória Rios

    A alienação fiduciária de coisa imóvel é regulamentada pela Lei nº 9.514/1997, que trata do Sistema Financeiro Imobiliário. Essa forma de garantia é comumente utilizada em contratos de financiamento, especialmente no âmbito imobiliário. A principal característica desse tipo de contrato é a transferência da propriedade fiduciária do bem ao credor como garantia do pagamento da dívida. Há uma preponderância da comercialização de crédito com aplicação da garantia de alienação fiduciária, não apenas com financiamento de instituição financeira, mas também com financiamento direto dado pelo loteador ou pelo incorporador.

   No presente artigo, iremos tratar do Tema 1095 do STJ, no qual o objeto é a aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor em contrato de compra e venda de bem imóvel com pacto de alienação fiduciária.

 

    O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.891.498-SP, um dos recursos representativos da controvérsia instaurada, buscava pacificar a possibilidade da aplicação ou não do artigo 53 do CDC quando houvesse rescisão do contrato de compra e venda de um imóvel em garantia por Alienação Fiduciária.

Assim, em outubro de 2022, a 2ª Sessão do STJ, da relatoria do Ministro Marco Aurélio Buzzi fixou a seguinte tese:

                                                      “Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na lei 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor”.

    A verdade é que o fundamento da fixação dessa tese levou em consideração a especialidade, uma vez que a Lei 9.514/97 (Lei da Alienação Fiduciária) trata-se de uma lei especial e, no nosso sistema jurídico predomina o princípio da especialidade, segundo o qual, diante de conflito aparente entre normas, a regra especial deverá prevalecer sobre a geral. Além disso, consignou-se a questão da cronologia, porquanto a Lei de Alienação Fiduciária é posterior ao CDC que entrou em vigor em 11 de março de 1991.

    O STJ, antes mesmo de firmar a tese, já admitia a hipótese de execução em caso da alienação fiduciária, bem como já reconhecia a prevalência da Lei 9.514/97 em detrimento do artigo 53 do CDC, mas, o fato é que os Tribunais Estaduais muitas vezes contrariavam essa decisão, sendo o objetivo do tema 1095 pacificar essa questão de uma vez por todas.   

    Por um lado, foi excelente termos um Recurso Repetitivo com efeito vinculante da decisão de que a alienação fiduciária deve ser respeitada. No entanto, surgem algumas preocupações, em razão do acórdão trazer alguns requisitos que podem gerar controvérsias, quais sejam:

                1) O registro da garantia;

                2) O inadimplemento do devedor fiduciante;

                3) A constituição em mora com base no artigo 26 da Lei 9.514/97, ou seja, a efetiva notificação pelo Registro de Imóveis.

   Com relação ao registro da garantia a jurisprudência do STJ já adotava tal entendimento, por estar disposto no artigo 23 da lei 9.514/97, que determina que a propriedade fiduciária se constitui mediante registro.

    Todavia, a partir do momento que na tese firmada restou clara a necessidade do inadimplemento do devedor fiduciante e a sua constituição em mora com base no artigo 26 da lei 9.514/97, ou seja, a efetiva notificação pelo Registro de Imóveis; pode gerar o entendimento de que se ele não estiver inadimplente poderia pedir a “resolução” do pacto de alienação fiduciária, pois o adquirente, ao verificar não ser possível o adimplemento do contrato como um todo, se anteciparia ao não pagamento da parcela promovendo uma ação de resolução contratual, causando um desiquilíbrio no mercado.

   Vale frisar, inobstante, que não é cabível a rescisão contratual em contratos com alienação fiduciária, devendo ser observado a forma prevista na lei 9.514/97.

    Assim, conclui-se ser indiscutível a relevância do Recurso Repetitivo com efeito vinculante da decisão ratificando a observância devida à alienação fiduciária, impactando inclusive para o crédito imobiliário brasileiro que reflete no bolso do comprador, visto que se a alienação fiduciária for combalida poderá gerar um aumento dos juros do financiamento imobiliário. O que se espera agora é que haja um novo repetitivo que colacionará julgados com casos de não inadimplementos e mesmo assim prestigiando a antecipação da quebra do contrato.